RSS Feed

Organização social mapuche nos séculos XVI e XVII

Posted by Parcos Maulo Marcadores:

Organização social mapuche
Texto adaptado da dissertação de mestrado de Segismundo Siqueira Filho "A Resistência Mapuche ao Processo de Colonização Espanhol nos Séculos XVI e XVII" (2009).

  1.         A sociedade mapuche contava com uma organização complexa, porém, diferente do estilo dos Incas ou Astecas. Pode-se dizer que estavam divididos em clãs,  denominados de levos (rehues em mapudungun). Normalmente, estavam compostos por mais de mil adultos e cada clã ocupava um determinado território. Todos os integrantes descendiam de um antepassado em comum, de onde derivava sua linhagem de acordo com a aliança celebrada com um animal ou elemento da natureza, cujas características acreditavam possuir e de onde se originavam os nomes individuais.
  2.        À frente de cada levo ou rehue havia um chefe chamado de lonko, cujo cargo era hereditário. Seu poder dependia, principalmente, do seu prestígio pessoal, que por sua vez era relacionado com sua valentia, caráter e também com sua riqueza. O simples fato de ocupar o cargo não garantia autoridade ou influência. A transmissão do cargo de lonko era feita para o filho mais velho e apesar da hereditariedade a maioria dos membros do rehue tinham de estar de acordo com a nova designação. (23) 
  3.     Com base na afirmação acima podemos notar que algumas informações transmitidas pelos cronistas não correspondem à realidade. Alguns descrevem os caciques como autoritários e arrogantes. Alonso de Ercilla, em La Araucana, erroneamente, dá grande ênfase a estas “características” indígenas. 
  4.      Foram os espanhóis que impuseram a denominação de “cacique” aos lonkos e as outras autoridades indígenas, desconhecendo as especificidades locais que cada denominação carrega. Paralelamente a esta política unificadora e globalizante, a Coroa Espanhola procurou desde o início da conquista da América, conhecer as formas ancestrais de governo de cada um dos povos indígenas, respeitando seu conjunto de leis e não fazendo alterações naquilo que não contrariasse as leis espanholas e da igreja católica. Inclusive adaptando estas leis (espanholas e eclesiásticas) aos costumes indígenas. (24) 
  5.        É nítido que não faziam isso por respeito à diversidade dos povos originários, tencionavam apenas aproveitar a estrutura social dos índios em favor da dominação espanhola. O raciocínio era que se as tribos haviam obedecido e respeitado aos seus “caciques”, lhes rendiam vassalagem, tributos e privilégios, a coroa espanhola herdaria estes mesmos benefícios e a obediência que haviam dado à suas autoridades originárias. 
  6.        A forma de governo mapuche antes da chegada do espanhol era uma reunião de instâncias superiores de organização, um conjunto de tribos de um mesmo território, representado pelos lonkos. Cada uma destas tribos tinha sua autonomia, mas nas ocasiões de interesse geral tomavam resoluções de comum acordo e estas decisões eram respeitadas por todos. Apesar de não possuírem uma estrutura complexa em termos estatais, os mapuche tinham, de certa forma, um governo “democrático”, por meio dos conselhos onde eram tomadas as decisões. 
  7.        Em uma primeira etapa, durante o século XVI, as crônicas registram uma forma de governo indireto, as juntas, também conhecidas como conselhos, que eram convocadas com a assistência das diversas tribos, as chamadas Lof. Ao final do século XVI, este tipo de organização se tornou mais complexa, formando-se uma estrutura, geralmente, de forma piramidal: várias rucas formavam o Rewe ou Rehue (chamado de reguas pelos espanhóis); vários rehues formavam um aillarehue. Os rehues se agrupavam de acordo com características de afinidade cultural, parentesco, território em comum e outras; em alguns lugares foram homogêneas e em outros não. Documentos descrevem que um aillarehue era formado por nove rehues. Os aillarehues se agrupam e se constituem no Fütanmapu, termo que foi chamado pelos espanhóis de Butanmapu. Este fütanmapu poderia ser entendido como a “identidade territorial” dos mapuche. Os conselhos eram a estrutura de governo, de justiça, resolução de dúvidas e decisões sobre guerras (25). 
  8.      Alonso de Ovalle, referindo-se a esta estrutura observa:
  9. "por esta mesma causa no sólo resistieron al señorío del Inga, pero no quisieron jamás admitir rey de su propria nación ni de la ajena, porque el amor y estima de la propria libertad prevaleció siempre contra todas las razones de estado con que la política pudiera persuadir lo contrario, ni tampoco usaron del gobierno de república, porque su ánimo impaciente y guerrero no pudo ajustarse con las esperas y atenciones necesarias para el acuerdo y unión de muchos pareceres; por esto tiró cada uno por su camino, o por mejor decir, cada familia y parentela, eligiendo cada una entre todos uno que los gobernase, a cuyo orden estaban todos los demás, y de aquí tuvieron origen los caciques, que son los príncipes y señores de vasallos, que después se fueron heredando y sucediéndose de padres a hijos, entre los cuales el primogénito sucede a su padre en el derecho del señorío y cacicazgo. (26)
  10.    Cada tribo governava sua jurisdição sem nenhuma dependência nem subordinação à outra, contudo, quando surge algum perigo sobre suas terras ou tribos, os lonkos (principais personagens), os anciãos e os homens mais experientes, segundo seus costumes, formam as juntas, debatem e tomam as decisões conforme a decisão da maioria. Se o caso for de guerra elegem um chefe supremo (toki) para comandar os exércitos. (27) Foi assim com os Incas quando adentraram as terras mapuche e posteriormente com os espanhóis. Vale destacar que nas reuniões do conselho, não só tomavam decisões sobre declarar guerra, mas também propor acordos de paz, os chamados parlamentos. Propunham ouvir o inimigo e tentar a paz com eles, sem renunciar ao seu direito; e para tanto enviavam um embaixador para as negociações. 
  11.       Os mapuche não tinham uma forma estatal, não havia instituições coercitivas que impusessem um mando único sobre todas as tribos. Cada conselho consultivo, convocado por um lonko qualquer, tomava decisões que só obrigavam os que haviam participado no conselho e nas cerimônias com que se solenizavam e sancionavam os acordos. Nenhuma crônica que relata a resistência mapuche perante os espanhóis durante todo o período colonial descreve um acordo simultâneo ou unânime de toda a etnia, principalmente no que tange à resistência armada. Os rehues ou aillarehues que permaneciam à margem das decisões dos conselhos mantinham sua autonomia e esta era respeitada pelos participantes. Por sua vez, todos os participantes estavam obrigados a cumprir os acordos feitos. (28)     
  12.      Desta maneira, dá-se o cumprimento de uma das principais características mapuche: a pluralidade, o respeito à diversidade compatível com o princípio de respeito e sujeição aos costumes ancestrais e as resoluções coletivas, princípio baseado no valor supremo, na palavra empenhada e do reconhecimento ao compromisso adquirido nas reuniões, acordo, tratos e tratados. Uma estrutura de caráter ancestral que incorporou poucas mudanças do século XVI ao XIX, sendo profundamente afetada somente após a independência.


Notas:

23 VILLALOBOS., 1995, op. cit. p. 29
24 ELLIOTT, J. H. Espana y su mundo; 1500-1700. Madrid: Alianza Editorial, 1990. p. 69
25 GUEVARA, op. cit. p. 9-13
26 OVALLE, Alonso de. Histórica Relación del Reino de Chile. Santiago, Instituto de Literatura Chilena. 1969
[1646] p. 85
27 No capítulo 3 da dissertação o autor detalha todo o processo de escolha do toki

0 comentários: